sábado, 29 de março de 2008

Coisas de sábado de manhã

Outro dia li uma reportagem numa revista espanhola onde um cozinheiro – tudo bem pouco pontuado, não? – que dizia que a cozinha de fusão tem que ter espaço como todas as outras cozinhas mais tradicionais, e quem pratica esse tipo de cozinha deve conhecer as bases da cozinha tradicional. David Muñoz do restaurante Diverxo de Madrid, é esse o cozinheiro: novo e premiado e reconhecido pela crítica e público.
Isso do peso da cozinha tradicional na comida que se faz hoje está em todos os lados e não há como fechar os olhos a esta presença e não creio que se deva fechar, numa atitude agressiva como se a comida do passado fosse uma inimiga. De um outro lado, pode parecer que o que não está ao nosso lado, aqui e agora, não nos quer, não é nosso companheiro. O amor que se foi, o cachorro que morreu, aquela receita que tanto gostavam quando eu fazia “lá no Brasil, com mandioquinha”… E aqui ponho a minha sugestão de confusão.
A tradição, as coisas que passaram, podem nos aliar muito não só como um conjunto de ideias que já sabemos deram certas e não muito certas, foram mais pertinentes a uns grupos e não a outros, mas essas coisas foram feitas concretamente. O creme brulée com outro nome existiria igual, mas existe com esse nome!! Seja ele chamado de leite creme, crema catalana, não nos faz falta prá fazer comida daqui a pouco no próximo serviço saber exatamente de onde nasceu, qual foi o primeiro da série. E com tudo podemos colocar gorgonzola naquele aparelho do creme…. E tcha nan nan nan… temos um creme brulée de gorgonzola, oras bolas. Sem dores nem muito trabalho. É claro que isso poderia assustar um italiano tradicionalista, ou um francês careta de 80 anos, mas pode ser que eles gostem disso. O italiano pode estar em Quito e ficar contente por comer gorgonzola, o francês pode estar em Roma, e se perguntar “esses italianos, será que foram eles mesmo que deram origem à nossa cozinha?”
Claro que acho, a tradição pode ser nossa companheira no cruzar informações daqui e dali, prá matar a saudade e dar umas novas impressões às pessoas, isso é bonito, isso é gentil para com quem se senta numa sala de restaurante para comer. Quem na Europa não respira tradição, que atire a primeira pedra. Colocamos o que for no spaguetti e ele continuará se chamando spaguetti!!! Se for feito com os produtos Adria, será ainda um spaguetti: de hoje; renovado;relido; reestruturado; mas um spaguetti ao mesmo tempo muito mais velho que a tradição modernista espanhola de artes pláticas que acho que marca muito o trabalho desse “génio da cozinha”!!!!!!
Idas e vindas, confluências, confusões, daqui e Dali. Minha ex-mulher me contava outro dia: “eu disse pro meu amigo que você não gosta de uma comida em especial, que gosta de misturar, que muitas vezes essas coisas só têm lógica na sua cabeça, que são coisas que em algum lugar do mundo as pessoas comem”. Acho que, também, por não ter tradição de cozinheiros na família e por trabalhar agora num restaurante de base italiana que, tomade doce, sorvete de manjericão e uma crosta de queijo parmesão é uma marguerita, como a pizza.

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