segunda-feira, 16 de março de 2009

Como seria se não nascesse gente?

“Eu quero fazer uma coisa que tenha a ver com as raízes!” Acho que foi isso que ela disse, mas não tenho certeza. “A costela com chocolate é minha!” Tem um cara lá no restaurante que, quando começo a ensaiar alguma coisa, e vou falando as minhas ivaneações sobre `a coisa`, diz “minha boca já está a salivar”.
Esses dias contava a um outro sujeito do restaurante, um toco de gente, mas que nos faz maravilhas lá dentro, um tipo daqueles que lava, corta, cozinha e samba… bom contava a ele que minha mãe não gostava das comidas que eu fazia, e isso sempre me incomodou um bocado. Lembro de ela me contar que uma patrocinadora tinha ligado prá combinar uma entrega de tomate seco, há anos atrás essa moça, que era uma quarentona linda que eu paquerava, já fazia tomate seco com azeite numa cooperativa em Curitiba, moça de peito. E dona Cármen(minha mãe) disse algo assim da fala da moça “ a senhora deve comer coisas muito diferentes e boas, não?!” Minha mãe deve ter ficado numa saia justa danada porque não comia quase nada das minhas coisas, mas também não achou louco de estranho o bendito mignon como molho de jaboticaba…
O sorriso da Gi sempre que fala da massa com cogumelos e raspa de limão, a Aline que me chamou de filho da puta depois de descobrir que a calda do sorvete de rosas que ela comia era salgada. O Maurício que deixou um almoço ´na faixa´no Boulevard e foi pró meu primeiro almoço em público, feito num restaurante, isso já deve ter uns 9 anos,acho. Ele veio de uma reunião, eu no meu das panelas fazendo o bobo de camarão, e o Maus me dá uma garrafa de vinho branco me desejando “sorte na nova empreitada”. Foi na agência/casa do Maurício que aconteceram memoráveis churrascos, uma festa de ostras que um amigo nosso, um advogado de esquerda xiita que não lembro o nome, viabilizou porque recebeu como parte de pagamento 50 dúzias de ostras, imagina a farra que não foi?! A carinha da tia Geralda olhando prá um makisushi que eu tinha feito e dizendo “parece o desenho de um copinho de sorvete la dentro”.
Lai, Lai Helena, lady Lai, a moça que é a prova mais real de que eu já tomei ácido e não me lembro!! Sempre tive a certeza de tê-la conhecido num vídeo clube, nisso nós dois concordamos. Mas sempre tive a certeza de que ela usava uma meia calça preta grossa com desenhos muito coloridos…. Isso só eu vi, porque ela sempre disse que nunca teve uma meia assim, deve ter sido o ácido depois de ter saído do Mercadorama do Champagnat. Lai é o desenho de companheira, a menina dos exageros, do génio forte, tem um pai que é `muito`, alguém já devia saber disso quando colocaram o nome em criança, Magnus. Lai é um capítulo ou todo um livro a parte, acho que minha maior experiência de compreensões e de coisas feitas de verdade, muita coisa não teria acontecido se não fosse essa menina. Na minha vida de cozinha, não consigo imaginar outra pessoa com quem eu tenha concretizado tantas coisas tão significativas. Ela é a moça que finalizava de sabor os meus molhos, quando eu não gostava de ficar experimentando as minhas coisas molhadas.
Claro que esse passeio todo tem o seu porquê. A frase lá do título é um pedaço de música do Karnak, que alegra e inspira, mesmo que não exista mais. O mercado municipal de Curitiba, está todo limpo, reorganizado, espaços renovados. O Bretxa em San Sebastian é bonito, mercado de beira mar, peixe fresco, ao lado de cinemas. A Boqueria nas Ramblas… e por aí pode-se seguir listando lugares de comidas de todo lado. Mas destes que falei acima, não o que seria prá mim do mercado de Curitiba, sem o sanduíche de mortadela e rúcula do Maia Box, do Mauro e da Maia e suas gentilezas sempre!! O Bretxa e Boqueria sem as mulheres que limpam peixe prá mim não seriam o mesmo, em San Sebastian acho que são lindas, quase sempre maquiadas, e em Barcelona, mais idosas, mais personificadas, como que mais envolvidas naquele ambiente!
Ver produtos, conhecer lugares novos, ter outros referenciais, novos novos, tudo muito interessante, mas os produtos são veículos de expressão. São as pessoas que fazem as coisas, a história, a estória, o peixe limpo, o legume fresco, o sorriso depois da segunda garfada, são elas que dão o movimento, o desejo de se re-fazer algo.
A ´salada prá La´i, o ´Má de manga´, as farras de comida com Maurício, o sair mais cedo da cadeira e ir cozinhar com a Vilma lá na agência (isso tem quase dez anos); o limão num risoto prá Luísa, o molho de banana que só ela conhece… é uma espécie de histocidade que essas pessoas conferem ao que faço, ao que ponho no prato. E se com frequência penso por onde andar prá encontrar a ´batida perfeito´, esse caminhar vai nesse e naquele sentido/direção, com quem ando e andei, aqui e acolá:
Lai, Renée(ele estava na primeira vez que fiz carne vermelha num restaurante), Renato, que comeu o doce com calda de alho, Esmeralda e o doce de tomate crú, Hugolau e a boca que saliva com sorriso largo, Luísa e o chocolate e os cremes (felicidade é simples, tenho aprendido com ela), a Gi que não larga o osso e troca comigo, João Acuio, porque gosto muito dele e pronto, Renata e o salmão que não era gravalax, Joana que comeu o que nunca mais se repetiu, o risoto de queijo da serra, rúcula e a vontade de impressionar o coração, a cara de menino do Miguel, Sonia e o aniversário, a meninice da Inês que acredita…… “são pessoas que cantam e dançam, põem a perna e a voz lááááááááááá´”.