terça-feira, 15 de abril de 2008

Comida e lembrança

“Isso aqui tá muito ruim, bom é como fulano fazia quando estávamos na praia não sei aonde!!”
Que coisa isso de gostarmos muito das coisas que não nos estão próximas: sabores da avó; amores idos; amigos perdidos, e assim vai. Não fujo de total a essa regra quase infalível, lembro bem de uma manga que comi quando tinha 7 anos de idade em Ribeirão Preto, a cidade onde nasci. Cheguei em casa depois da escola e minha mãe me perguntou como estava manga, “tinha gosto de tutti-frutti”, foi minha resposta. E eu nem sabia que tutti-frutti, era uma grande mistura de frutas, só sabia que era um sabor de um chiclete da Ping-Pong. Mas lembro da sensação de sentir várias coisas ao mesmo tempo na boca e foi lindo, digo melhor, a lembrança daquilo é lindo.
E acho que por aí começamos uma pequena confusão e ficamos exatamente sem saber se o sabor era bom ou o conjunto de coisas vividas naquele momento é que fizeram a comida ser tão maravilhenta!! Do meu passado mais distante lembro de algumas coisas como a salada de língua de vaca da minha mãe, que hoje seria de matar muita gente do coração,afinal de contas não usava azeite (e estamos na Europa), ia óleo de milho aos montes, tomate, pimentão e cebola cortados muito grosseiramente e a bendita língua cozida em água. Não me consigo imaginar comendo isso hoje em dia, e não me passa pela cabeça que isso seja impressionante de sabores, mas…. Na maior parte das vezes comíamos isso no domingo, família reunida, único dia que meu pai comia conosco, ficar deitado no sofá vendo a nossa primeira tv colorida. Não era a comida, e hoje é a lembrança que me alegra, porque essa combinação não tem nada de mais, verdade seja dita.
O gosto é variado de todas as formas, e fico meio a vontade com isso pela coisa das negativas: não vim de família de cozinheiros; não estudei cozinha; não comecei lavando louça; e não sei um monte de coisas tradicionais, nem brasileiras, nem portuguesas, nem marcianas.
Isso de não ter a vivência do peso da tradição, bom ou mal, dá uma liberdade muito delicada que é desvinculada de um passado comum a um grupo. Muitas vezes digo que minha grande amarra de tradição ao Brasil são as frutas maduras tiradas do pé, isso sim é manifestação divina!!! À parte e lembrando minha cunhada, “o Brasil é um país muito novo”.
A coisa da liberdade delicada é o fato de pensar coisas, ter idéias e não machucar as pessoas que sejam mais ligadas às suas tradições, vou dando exemplos. Outro dia falava com uma escanção sobre servir vinhos misturados, ela tomou isso como uma heresia, mas se eu fizesse isso chamaria de drink e não vejo problemas em um drink de vinhos para acompanhar uma refeição. Agora como explicar isso para essa amiga portuguesa e deixá-la tranquila sem pensar que quero destruir aqueles preciosos líquidos pensados e engarrafados à espera de bocas apuradas para degustá-los?
Regra geral, em comida italiana, não se põe queijo forte, tipo grana padano num risoto ou prato de massa com frutos do mar. Uma resposta que me deram é que o queijo assim rouba o espaço dos frutos. Acredito que fazer comida é um estudo de proporções, então é claro que acredito que haja uma forma simpática de por esse queijo num pratos de frutos do mar, nem que fossem em crocantes com coentro (que na Itália também se usa pouco) para salpicar num risoto como fez um chef francês que gosto muito.
Na Europa toda se faz caipirinha com açúcar amarelo, isso nunca acontece no Brasil!!! Óbvio que deve haver algum grupo xiita brasileiro capaz de sabotar um bar que faça esse preparado desta forma, mas ele ainda não se manifestou. E não vejo brasileiros ´muito´ofendidos com essa história da caipirinha, deixa ´os caras´ fazerem como querem.
É possível que essas misturas não permitidas para alguns povos tenham muito de respeito às pessoas que faziam os produtos, não só por uma questão de habitus, social ou restrição alimentar (tipo vinho tinto e melancia), se sinceramente compreendo melhor se respeitamos as coisas no ambiente afetivo, porque acredito que dessa forma sobra espaço para sugerir, sim, outras formas de amar/cozinhar/beber, outras formas de mostrar uma mesma transformação.
Uma sugestão que fica por aí, é de que a tradição compreenda esses moçoilos afoitos, cheios de vontade que andam por aí, e que esses olhando para trás possam ter a atenção e carinho de um filho que pega a caixa de jóias da avó e a tranforma na caixinha de bilhetes de recuerdos que a mãe trocava com o pai.
Como o Donizetti, trombonista baixo da Sinfônica do Estado de São Paulo, dizia: só o amor constrói!!! E que é a cozinha?

1 comentário:

Gisele Naconaski disse...

Ivanico a frase de ordem é: viva e deixe viver!
Cada um que crie, saboreie, invente, misture, pense, ouse, tradicionalize-se, desprenda-se, apegue-se, cozinhe, ame, pense e realize do jeito que bem entender, do jeito que souber.
Liberté, Egalité et Fraternité!! Faça, faça com vontade, faça com amor, com seu amor e faça bem. Adorei a história, que eu só havia lido em trechinhos... bisous