quarta-feira, 16 de julho de 2008

A mãe

Ainda sobre a coisa das lembranças...
Não tem um mês que fiquei sabendo que minha mãe tinha morrido já fazia dez dias, imagina só. A dona Carmén foi a responsável por aquela salada de lingua, e a manga com sabor a tutti frutti, ambas da minha infância bem distante. E como ela dizia que tínhamos uma queda de humor negro terrível, não há como não lembrar com isso do tempo dela morta, de uma forma de fazer frango, que contava ser comum na França, vejam bem, falo de quando eu tinha 9 anos, 1989 pra ser mais preciso. Ela dizia que matavam o frango e o penduravam pelo pescoço no varal, quando o pescocço se rompesse de podre, o bichinho estava "no ponto" de ser preparado, dizia que essa pérola culinária se chamava frango desendé. Por sorte nunca nos preparou isso. A coisa mais próxima de algo bem morto de pouco, foi uma galinhà à cabidela que fez pro meu pai, mas lembro de não ter participado desse ritual.
Mas acho que estou aqui mais prá lamentar algumas coisas que não se passaram com ela, e que acabam por ressoar numa montueira de pessoas. Dona Carmén deve ter comido umas 3 coisas que fiz na vida, profissionalmente. Lembro de ouvir qualquer comentário dela dizendo que eu fazia coisas muito estranhas, misturas pouco usuais, mas um prato que fiz dedicado a ela, a costela de vaca com molho de café e risoto de cardamomo, era super básico prá mim, afinal de contas os árabes tomam café com cardmomo há anos.
Acho que isso "dá prá dar" uma idéia de como se lêem (nós, que mexemos em comida e transformamos) as informações que estão por aí e como isso pode causar uma estranhesa nos outros.
A coisa do passado re-apresentado, de-recombinações pode ser das mais interessantes, creio, se nos atermos a sensibilidade do público que pretendemos atingir, seja no dia-a-dia do restaurante, ou de uma situação mais pontual. É o que falei acima do café com cardamomo, ela tomava isso, mas transladado para um prato, com a clássica costela de vaca, virou quase uma heresia. já levei puxão de orelha por querer fazer uma panacotta mais dura que o normal, e ainda insiti perguntando se não podíamos mudar o nome.... santa infelicidade, Batman.
Não há que esticar por demais a bexiga nisso de tentar reeducar o "gosto", pena sim, que depois de tanta coisa passada, acumulada pelo tempo, ainda se queira tomar, quase, que somente a sopa da avó quando se está doente, que se diga que carne boa mesmo é aquela do Brasil, quando se mora na Europa: o que tivemos foi bom e o que podemos ter, também pode ser bom. Essa coisa de prisão ao passado deve ser boa prá algo que ainda não sei bem o que. e no tocante àquela bexiga dali de cima, como brincava o Caio

se ele vier, eu defenderei
e se eles vierem, eu defenderei
mesmo que chova canivete, irei com guarda-chuva de aço
mas defenderei!!!

3 comentários:

Anónimo disse...

A dona Carmén deve ter sido uma mulher muito especial.
O tempo acaba por "curar" essa dor, mas as boas lembranças vão perdurar no tempo. Muita força!
Bjnhos
Ju

Anónimo disse...

É duro perder quem amamos, mas a vida da gente é assim mesmo, uma hora ganhamos e outra perdemos, o que precisamos é ter forças para superar estes baques, pois a sua mãe partiu daqui da terra, mas onde ela estiver vai estar olhando por você e torcendo muito por você, tenha força pois quem amamos jamais sairá de nossas vidas.

Um grande beijo para você

Christiane Gusmão

luisa disse...

Quando somos pequenos, tão pequenos que só temos espaço para coisas sem tamanho como joaninhas e foguetões, tudo o que queremos é ser grandes.

Quando somos um bocadinho menos pequenos continuamos a querer ser grandes: grandes bailarinas ou grandes músicos, astronautas, cabeleireiras, jogadores.

Quando já somos um bocadinho grandes queremos ser os maiores: os maiores em coisas pequenas como ser giras ou ricos ou doutores.

Até que um dia alguém sai das nossas vidas. E o sol continua a brilhar, as crianças a crescer, e nós a viver...
E a dor que temos, parece ser maior do que tudo, e mais importante que o que esse alguém nos deu.

Tudo o que lembramos pode ficar connosco para sempre e isso pode ser muito mais do que o que perdemos.

A verdade é que a coisa mais maravilhosa e desmesuradamente ambiciosa que se pode querer da vida é ter vivido o que vivemos...

Porque isso ficará connosco para sempre.
E a D. Carmen vai estar sempre consigo.
bj